Foi o que vi: uns olhos. E aqueles (uns olhos brilhantes!) me encantaram e, de algum modo, passaram a drenar de mim o que o cotidiano havia construído, destruído.
Eles, que tanto desejei ver, eram calmos, tranquilos como se fossem muito jovens, muito limpos. Mais que isso: eram quase infinitamente puros! Só que, de tanto observá-los, pude supor que havia, lá no fundo, onde o tempo faz seus ângulos, um rasgo de incerteza e um visco grosso de desespero. E, apesar disso ou talvez exatamente por isso, os olhos tornaram-se o meu dia e a minha noite, minha respiração, um motivo para continuar.
Só após algum tempo, confesso, percebi que desses olhos cresciam linhas a compor um rosto, um passado, um modo de reconhecimento e diferenciação. E, deste rosto, que era meu (somente meu!), pressenti um corpo, que ousei desejar como se deseja alguém que se ama há muito tempo e está longe.
Tinha tudo, algo mais que real, que perturbava sutilmente o modo como meus sentidos me apresentavam o que estava ao meu redor e os sentimentos que se formavam a partir disso; algo que me fez questionar o que acreditava, o que vivia. Vontade destemida de inferno. Pedaço de amor carnívoro.
No entanto, eu, que sou apenas uma tentativa, não conseguia entender como, apesar de tudo a meu dispor, a centímetros dos meus dedos, os olhos (os meus olhos!) mostravam-se mais arredios e assustados que poderia imaginar. Fugiam de mim, não suportavam minha observação permanente.
Não era justo, não era certo que eles fizessem isso comigo. Não era possível que eu, a luz daqueles olhos (porque olho nenhum existe sem luz!), fosse desdenhado dessa forma. Aqueles benditos, malditos que me prometeram vida, que me levaram a um ato vermelho de impulsão. Aqueles. Olhos.